Home Office: as coisas que não estão querendo falar para você

Home office: as coisas que não estão querendo falar para você

Confesso que, durante o período em torno de 10 de março, eu não estava tão atento às notícias em função de uma série de questões da vida prática. Meu trabalho, o início de uma nova turma no Existere e a tentativa de finalizar a reforma em meu apartamento fizeram com que eu ficasse praticamente alienado das notícias. Eis que não houve mais como evitar: pacientes, familiares e amigos falando do COVID-19 voltaram minha atenção para os sites de notícias e para as providências para manter meu trabalho funcionando e para iniciar o isolamento social. Diante disso, trago aqui algumas observações e considerações que fiz – e tenho feito – desse período, principalmente, quando fala-se em home office e ensino à distância. Acompanhe a leitura!

A glamourização do isolamento 

Algo me chamou a atenção quando percebi a abordagem extremamente positiva que as pessoas estavam tendo referente ao isolamento social (pelo menos aquelas que aparecem em minhas redes sociais). Uma glamourização a tal ponto do home office e do ensino à distância que mais parecia que as pessoas estavam saindo de férias. Por todos os lados, promessas de cursos online, colocar a leitura em dia, meditar, fazer ioga, exercícios, enfim, tudo aquilo que as pessoas desejavam mas não tinham tempo para colocar em prática. Ainda havia aqueles que diziam que uma nova era se iniciaria para a humanidade (o que me lembrou os hippies com sua era de aquário). Desconfiei, mas ainda estava muito ocupado para refletir adequadamente sobre o assunto. Além disso, achei que era apenas o meu lado pragmático que estava carregando na tinta na avaliação destas mensagens. 

Oficialmente, meu isolamento social começou no dia 20/3. Desde então, tenho atendido meus clientes à distância e minhas saídas têm se limitado a uma ida ao mercado por semana. Foram vinte dias bem interessantes, pois eu mesmo tenho vivido o isolamento social e tenho tido a oportunidade de acompanhar meus pacientes vivenciando o mesmo processo. 

O home office da vida real x das redes sociais 

Mas, bem longe daquela imagem que vejo nas redes sociais, o isolamento social rompe com a rotina já estabelecida das pessoas e acrescenta diversos fatores estressores à mesma. 

Um exemplo disso é a prática do home office. Ao longo de minha carreira, pude trabalhar com diversos profissionais que buscaram se adaptar a esta modalidade de trabalho. Mesmo em condições normais não é fácil, exige disciplina e toda uma preparação para que o trabalho possa ser feito em casa, sem prejuízo à produtividade ou ao bem-estar. Normalmente, é preparado um escritório dentro da residência, com internet e toda a estrutura necessária para o trabalho. As rotinas precisam ser estudadas e, a partir delas, são feitos combinados com a família para que não aconteçam interrupções desnecessárias ao trabalho. Isso em condições normais e, mesmo assim, não são todos que se adaptam à rotina do trabalho em casa, sendo muito comum que aqueles que optaram pelo trabalho à distância solicitem voltar a trabalhar no escritório da empresa. 

Mas não é isso que assistimos nos últimos 20 dias. Pessoas que possuíam um trabalho fora de casa e que nunca tiveram a perspectiva de trabalhar de casa tiveram que se adaptar às pressas para obedecerem à orientação do isolamento social em função da pandemia de COVID-19. Em muitos casos, uma casa de família que ficava praticamente vazia durante a semana passou a ter que comportar o trabalho dos adultos e os estudos das crianças ou adolescentes, tudo dentro de casa, todos ao mesmo tempo, pois o horário de trabalho dos pais se sobrepõe ao horário das escolas dos filhos. No caso de pais de crianças, o ensino à distância oferecido pelas escolas demanda que um adulto acompanhe a criança para auxiliá-la durante as aulas. Alguns pais que conheço têm se desdobrado para acompanhar os filhos e fazer seu trabalho, tudo ao mesmo tempo. 

O ensino à distância e a sobrecarga 

Uma parte de meus clientes é composta por adultos jovens que frequentam algum curso superior e de adolescentes que estão no ensino médio. Em todos os casos, suas escolas e universidades se adaptaram às pressas para iniciar o ensino na modalidade à distância. Em todos os casos, o relato que chega para mim é de uma sobrecarga de atividades passadas pelos professores. Não poderíamos esperar nada muito diferente disso, pois um ensino à distância eficiente requer todo um planejamento de atividade, fóruns de debates mentoria e uma infinidade de recursos impossíveis de serem implementados no espaço de dias ou semanas. 

Nestas últimas semanas, muito dos atendimentos que fiz demandaram ajudar meus clientes a pensar em soluções para os desafios que o isolamento social impõe no que tange à manutenção do trabalho e ao acompanhamento de seus estudos ou dos estudos de seus filhos. Para alguns, que possuem mais recursos, têm sido relativamente tranquilo. Para outros, está sendo um grande exercício de criatividade. 

A saúde mental no isolamento social 

Até agora me referi apenas às dimensões práticas do isolamento social, mas também existem as questões relacionadas à saúde mental que precisam ser observadas. Em uma revisão bibliográfica sobre os efeitos adversos de uma quarentena prolongada, pesquisadores do Kings College de Londres apontam vários efeitos adversos provocados pelo isolamento e pelo confinamento. Dentre eles estão o aumento da ansiedade, irritabilidade, insônia, depressão, pânico e até mesmo estresse pós traumático. Dentre os fatores que geram estes sentimentos estão a privação social, a duração da quarentena, o medo de adoecer, a frustração e o tédio, medo de desabastecimento, falta de informações confiáveis, medo de perder o emprego ou de faltarem recursos financeiros e o medo de ficar estigmatizado por ter ficado doente. 

Nenhum destes efeitos é novidade e apesar da discussão acadêmica sobre o assunto ser abastecida de artigos recentes originado de estudos de quarentena durante o surto de SARS na Ásia, a preocupação da psicologia com estes efeitos não é nada nova. Por muito tempo fui professor de Psicologia Geral e de Psicologia Social e são conhecidos entre os alunos destas disciplinas diversos experimentos sobre o tema feitos por psicólogos norteamericanos.   

Byung Chul-Han aponta para excesso de positividade característico da sociedade do cansaço. Vejo muito de suas reflexões nos posts das redes sociais sobre o isolamento social, em especial nos perfis dedicados ao autoconhecimento ou a autoajuda. Confesso que eu mesmo vivenciei um pouco disso, pois os primeiros dias do meu isolamento foram marcados pela volta ao apartamento que acabara de ser reformado. O entusiasmo de estar de volta em casa depois de 45 dias somado à tarefa de colocar todas as coisas de volta em seus devidos lugares, junto com os ajustes esperados desta ocasião, fizeram com que os primeiros dias tenham sido ótimos. Lembro particularmente de ter separado alguns livros que eu tinha a esperança de ler durante este período, ter recuperado o acesso de alguns cursos online que comprei e nunca fiz, Ah, claro! Também me propus a tratar fotos que ficaram arquivadas sem tratamento desde as viagens que fiz, as mais antigas são de 2015, portanto eu teria bastante tempo para me divertir com elas. 

Realidade foge da idealização 

Mas, como é habitual, a realidade se mostrou diferente da idealização feita durante o entusiasmo. Como continuo trabalhando de casa, meu tempo livre continuou tão escasso quanto era antes, talvez até mais escasso, pois tive que resolver problemas gerados pelo distanciamento social em minhas atividades. O pouco tempo livre que me sobra é dividido entre atividades domésticas que usualmente terceirizo, tais como limpar a casa, cozinhar, cuidar das roupas e dos cachorros. Às vezes, até sobra tempo, mas já estou tão cansado que prefiro assistir alguma coisa ou tocar um pouco de violão.

Longe de me queixar, meu objetivo com este relato é argumentar que a realidade sempre se impõe e a medida de nossa desilusão é dada por quanta idealização fizemos em antecipação.  No meu caso, tem sido até relativamente simples manter meu trabalho em ordem, mas sei que esta não é a realidade da maioria das pessoas e o que me preocupa é como estas mesmas pessoas podem se sentir ao serem iludidas por todo este discurso positivo em torno do isolamento social. 

Os efeitos e o que pode ser feito

Como escolhi o isolamento, também tenho vivenciado alguns dos sintomas que mencionei acima. Ora fico irritável, ora um pouco mais ansioso. Nestes momentos acredito que devemos fazer apenas o possível, sem idealizações de soluções mágicas. Tem dias que treinar ou tocar um pouco de violão me ajuda, tem dia que não. O que faço nestas horas é o mesmo que indico a quem me pergunta. Se não for possível amenizar o sentimento, então vamos acolhê-lo e esperar que passe. Afinal, se você não puder ter alguns dias ruins durante uma pandemia, então quando terá esta autorização?

Estamos vivendo uma situação repleta de incertezas, justamente, o contrário daquilo que gostamos. Não sabemos quanto tempo a pandemia irá levar, quando descobrirão uma vacina ou um tratamento eficaz, quando poderemos ter uma vida que possa ser considerada normal, quando voltaremos a trabalhar e, no caso de alguns, se haverá trabalho quando tudo isso terminar. Não sabemos muita coisa e esta falta de informações revela o caráter inóspito de nossa existência, tão discutido por autores da fenomenologia. 

A inospitalidade está relacionada à falta de condições para que o ser sinta-se abrigado e acolhido em sua existência. Ela é decorrente te nosso caráter de ser-lançado na existência, pois apesar de sermos responsáveis por nossas escolhas, as condições em que estas escolhas se dão são dadas pelo mundo. Nossa existência consiste, portanto, em um eterno equilibrar-se entre as condições dadas pelo mundo e escolhas que nos direcionam para futuros possíveis, sem as garantias de que estes se realizarão. 

Compreendo que é o momento de acolhermos nossa fragilidade, pois não se trata de uma fraqueza, mas de uma condição da existência. Acolher a fragilidade não significa declarar-nos impotentes diante do mundo, mas exige que avaliemos a cada momento aquilo que somos e aquilo que não somos capazes de fazer. Significa compreender que nem sempre seremos capazes de fazer tudo aquilo que acreditamos ser possível. E tudo bem, pois fizemos o que era efetivamente possível. 

  • respeite e vivencie os dias ruins;
  • acolha suas fragilidades;
  • compreenda o que é possível fazer e o que não é possível fazer;
  • entenda que está tudo bem em não se sentir completamente bem;
  • a realidade das redes sociais não é, muitas vezes, a realidade da nossa existência;
  • dê uma volta de carro, caso sinta necessidade de espairecer (mas, antes, fale com seu médico para saber se você pode);
  • converse com amigos virtualmente;
  • escreva sobre o que te angustia. 

Neste artigo, compartilho com vocês minhas experiências, observações e considerações sobre esse novo momento que estamos vivendo. Para qualquer dúvida ou necessidade de conversa e escuta, estou com meus atendimentos online e os contatos estão no site

Caso sinta necessidade, estou aqui para conversar!

Um abraço,

Márcio Souza.

Comentários: Seja o primeiro a comentar!

Participe: deixe seu comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.