Ansiedade pré-vestibular: como os professores podem ajudar?

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Uma questão impossível de passar despercebida para todos aqueles que trabalham com adolescentes pré-vestibulandos, é o grau de ansiedade que vai aumentando ao longo do ano, que chega a seu pico máximo nos períodos próximos das provas dos vestibulares mais concorridos. 

Assim, o clima nas salas de aula fica cada vez mais tenso, onde ficam evidentes a irritabilidade, a desmotivação e o medo de não passar no vestibular. O meu ponto de vista não é o de quem está na sala de aula dos cursinhos, mas o de quem, há vinte anos, acompanha adolescentes a lidar com a ansiedade diante da prova.

Para entender melhor como você, professor, pode ajudar os seus alunos a lidar com ela, continue com a leitura. Vamos lá?

Quanto maior a concorrência para o curso pretendido, maior costuma ser a ansiedade

Não é difícil entender uma das grandes causas desta ansiedade. Apesar do grande número de universidades, o número de vagas para alguns cursos permanece reduzido. Vamos a um exemplo prático: no vestibular do ano passado, a Unicamp abriu 88 vagas para o curso de Medicina. 

Para disputar essa vaga, haviam 29.047 candidatos na primeira fase que foram reduzidos para 1.169 na segunda. Já na USP, também para o curso de Medicina, foram 15.557 candidatos disputando 135 vagas. Na Unicamp, se considerarmos a primeira fase, são 330 candidatos disputando cada vaga. Na USP, 115 candidatos.

Trata-se de uma disputa muito acirrada e, pelas próprias estatísticas, muitos alunos que também se dedicaram também não irão conseguir passar no vestibular para o curso desejado por uma ou duas questões que errou na prova.

Além da concorrência em si, que já é suficiente para assustar, existem outros fatores que fazem parte da vida individual dos vestibulandos como a necessidade de ajudar a família, dificuldade específica em alguma matéria, dificuldades de relacionamento, insegurança e outras questões que podem interferir no estado emocional dos candidatos.

Como se não bastasse, há outras pressões como a crença de que a escolha do curso superior deve ser definitiva, de que o principal critério a ser levado em consideração é o retorno financeiro proporcionado pelo curso e a crença de que quem não passa no vestibular é um fracassado. 

E onde os professores podem entrar neste contexto? 

A maior parte dos vestibulandos que atendo, passam entre oito e doze horas de seu dia no cursinho ou na escola onde estudam. Considerando seus diferentes professores, estes alunos passam mais tempo na companhia deles do que na companhia dos pais e amigos. 

Portanto, a forma como os professores lidam com a alta concorrência pode tanto ajudar os adolescentes a lidar melhor com a situação ou podem, mesmo sem querer, acentuar ainda mais a ansiedade dos alunos. 

Antes de continuar, quero dizer que sou muito empático com as questões vividas pelos professores. Além de orientador vocacional, sou professor universitário há quase vinte anos e, nesta trajetória, sempre tive muito contato com os alunos ingressantes, recém egressos do Ensino Médio.

Entendo que a pressão sobre o professor também é muito grande, pois há um vasto conteúdo a ser cumprido e um cronograma apertado para ser aplicado. Entendo também que a ênfase conteudista dos currículos escolares deixa pouco espaço para o desenvolvimento de um acolhimento apropriado das ansiedades dos estudantes e, muitas vezes, gera ansiedade nos próprios professores.

A relação de ensino e aprendizagem não é pautada apenas pelo conteúdo

Sempre que converso com meus clientes ou com meus alunos na universidade, todos relatam com brilhos nos olhos a respeito dos professores que mais os impactaram, de como estes serviram de modelo e, não raro, os ajudaram a superar dificuldades que eles estavam vivendo. 

Isso acontece pois a relação de ensino e aprendizagem não é pautada apenas pelo conteúdo que evoca a dimensão cognitiva. Trata-se também de uma relação de afeto. Assim sendo, a forma como o professor se posiciona a respeito do conteúdo evoca no aluno o interesse ou o desinteresse nos conteúdos ensinados. 

Sérgio Leite e Ariane Tagliaferro demonstram como os aspectos afetivos presentes na relação professor-aluno são o principal fator relacionado às memórias de professores considerados inesquecíveis por parte dos alunos.  

Os mesmos autores apontam que, posicionamentos dos professores a respeito de outras temáticas além do conteúdo, também são levados em consideração pelos alunos na hora destes formarem suas próprias opiniões. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, os posicionamentos dos professores de pré-vestibulandos a respeito da concorrência do vestibular, dos fatores que podem levar ao sucesso e também a respeito de possíveis fracassos também poderão exercer influência na forma como os seus alunos lidarão com estas mesmas questões.

Afetividade: a resiliência é uma ótima aliada 

A afetividade, própria da relação professor-aluno, pode ser um excelente recurso para ajudar os estudantes a desenvolver recursos de resiliência para lidar com toda a pressão presente no contexto do vestibular. Para que isso aconteça não há necessidade de desviar dos conteúdos a serem ensinados e nem de sair da sala de aula. Um bom começo é o professor observar a forma como ele se posiciona a respeito dos fatores que geram ansiedade no contexto do vestibular. 

Se você é professor deste público, e em seu posicionamento enfatiza demais a concorrência, se sua ênfase está no conteúdo, se você faz piadas com quem não passa no vestibular sem tanta atenção a possíveis sinais de sofrimento dos alunos, acredite, apesar de todas suas boas intenções, você pode estar ajudando seus alunos a se sentirem mais ansiosos. 

Sim, eu acredito que muitas das falas com este teor podem ter a intenção de alertar os alunos para a possibilidade deles não passarem e, consequentemente, não conseguirem realizar seus sonhos. Mas acredite, eles já sabem disso. A concorrência é um fato e a possibilidade de fracasso é iminente, portanto não há necessidade de carregar na tinta.

Esta mesma motivação em ajudar pode ser muito mais efetiva com algumas posturas muito simples, tais como:

  • uma postura realista, que reconheça as dificuldades, mas que ajude os alunos a desenvolver estratégias para enfrentá-las e reconheça que não passar no vestibular não é o fim do mundo;
  • exaltar o potencial dos alunos, ajudando-os a reconhecer suas reais capacidades;
  • ajudá-los a compreender o vestibular em seu contexto sócio-cultural para além da meritocracia; 
  • acolher o sofrimento inerente ao vestibular como uma reação natural a contextos de alta concorrência.

A vida do professor já está repleta de exigências que precisam ser atendidas. Longe de mim propor mais um padrão que professores devam seguir. Acredito que o trabalho docente é dialógico e sim, é na relação com os alunos que cada professor irá encontrar o caminho que faz mais sentido para a sua prática. Minha contribuição é apenas de provocar algumas reflexões que possam contribuir com este processo, aproximando professores e alunos e possibilitando que o vestibular não provoque mais sofrimentos  e incertezas além daqueles que já são inerentes a seu contexto sócio-cultural.

Referência 

LEITE, Sérgio Antônio da Silva; TAGLIAFERRO, Ariane Roberta. A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível. Psicol. Esc. Educ. (Impr.), Campinas, v.9, n.2, p. 247-260, Dec. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572005000200007&lng=en&nrm=iso>

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